terça-feira, 7 de novembro de 2017

Se o mundo é uma sanita então Portugal é o quê?


Não me lembro onde vi a primeira vez o fanzine Psicóse Infantil... Talvez tenha sido no vácuo existencial das "sessões" no Clube Português de Banda Desenhada em 1990 ou em 1991. Foi alguém (o Fazenda? o Brito? o Lino?) que me emprestou dizendo que ele era "a minha cara". E era! Se calhar por causa dele que, em 1992, comecei com o Pedro Brito & cia, o Mesinha de Cabeceira para quebrar a monotonia dos outros fanzines dos anos 90 - eram das coisas mais quadradas e chatas que havia. Acho, modéstia à parte, que o Mesinha foi essa excepção juntamente com A Mosca (4 números, 1994-97) e pouco mais. E este Psicóse... Enfim,  que é como quem diz, ninguém soube deles e duvido que alguém tenha percebido que houve um segundo número (duplo, por isso três números, ena!), excepto o Geraldes Lino, claro, um mega-coleccionador de fanzines de BD.

Este Verão saiu o livro do Punk e apareceram logo gajos a mandarem vir que faltava nele isto ou aquilo (uau!). Um deles foi o Fernando Gonçalves (que conhecia porque teve uma loja de BD em Faro, a quase-extinta Ghoul Gear) mas ao menos ofereceu-me estes dois (três) números. Zeus! É verdade! Mea culpa! Como poderei ter esquecido disto!? (Simples, nunca tive um exemplar meu e passaram-se mais de 25 anos!). Que chapada do passado! Ya! Lembrava-me das páginas do primeiro número, dos desenhos à Gotlib e sobretudo das colagens de filmes Gore. Eis a tipologia daquela época: três marmanjos punk-metaleiros na secundária que curtiam BD e música, e pelos vistos filmes e política (citam Hegel!), fazem um fanzine A4 a preto e branco não tendo pejo em mandar bocas à merda grossa que foi o Cavaco, a "taveirada" das Amoreiras e a skinaria nazi - lá 'tá ela sempre presente na BD como refiro no livro do Punk Comix!! Depois do segundo (terceiro!) número acabam. Nunca mais fizeram nada, pelo menos em BD. Traíram a humanidade. Moral da história: Nada é raro em Portugal porque passados 26 anos encontrei este fanzine que só tinha lido uma vez na vida. Se fizermos uma reedição do livro do Punk, sim ele será incluído! Como ignorar esta beleza?

No meio disto tudo, a Chili Com Carne recebeu um estagiário que fez o que lhe apeteceu - calma, havia umas regras básicas e pedagogia! Incluo neste "post" o Cursed Tales do Marco Gomes, um rapaz de Leiria, por ele ser "metaleiro" e como tal pode servir para fazer uma comparação das diferenças de  produção de zines nos 90 por malta da mesma simpatia do Som Eterno (oh oh oh). É um ping-pong sem fim e talvez desnecessário porque pura e simplesmente as coisas mudaram mas embiquei em compará-los! O Marco é um rapaz simpático (todos os metaleiros o são!), íntegro e empenhado mas tem consigo os tiques de uma geração que me fazem comichão. Será "generation gap" ou o pedaço de "nostalgia" que o Psicóse trouxe que obrigam a escrever estas linhas? Tentarei não ser um velho reaccionário...

O livrinho reúne três BDs executadas por Gomes, com todo o suor de quem quer mesmo apostar nesta área criativa. Tem defeitos por causa da incontornável binómio imaturidade e aprendizagem. O esforço e trabalho que concedeu foi dando frutos e melhorias constantes nas BDs - e ok, vá, também a minha orientação ao longo do processo do estágio ajudou. Logo aí, faz-me alguma confusão saber que um zine é feito num ambiente escolar. Tudo bem se for como reacção à própria rotina fascista da escola, sem professores a controlar, olha que porra! Mas sendo os motivos de estudo do Marco a BD e a edição, Cursed é mais livro de autor que um fanzine canalha. Se calhar a discussão acaba aqui ou pelo menos devo deixar de referir Cursed como fanzine. Um fanzine tem de ser como o Psicóse, ou seja, de forma espontânea com energia a disparar para todo lado. Um zine tem de ser feito fora da hora de expediente senão fica manso. Tudo o que Gomes fez para o seu livro foi calculado, com uma expectativa profissional e objectivos técnicos a cumprir.

As diferenças entre os dois objectos são ainda maiores porque os primeiros eram um grupo de amigos e Gomes está sozinho, talvez não por opção porque vive numa cidade pequena que não deve ter tantos cromos da BD para se juntarem para fazer uma publicação porcalhona. O Psicóse eram fotocopias mal-paridas e baratinhas enquanto que o Cursed é de um rigor gráfico bestial, bem impresso quase "deluxe". Os "psicóticos" odiavam o poder e eram mal-criados, Gomes nunca desafia o poder e ensaia o terror como tema, o que é um beco sem saída em 2017. O "Terror'17" é o Trump ou Pedrógão Grande e não clichés simbólicos de Morte e Loucura à la Edgar A. Poe. Aliás, Trump e acólitos conseguem juntar num só corpo estas duas ideias - Morte e Loucura.

Loucura era sem dúvida a plataforma dos "psico-boys" enquanto que em Gomes é tudo estilizado e nada alucinante, apesar de a querer glorificar, inutilmente em fracasso tirando talvez The Family Man, curiosamente a primeira BD a ser criada, a mais curta e a mais escatológica. Hum... Acho que os miúdos de agora são mais controlados e/ou auto-controlados. Se calhar não se pode esperar as mesmas explosões de antigamente. O controlo nº1 é logo a merda dos smartphones que os pais oferecem para saber onde andam, daí ao "chip-GPS" enfiado no corpo, já deve faltar pouco. Controlo nº2 é o massacre e pressão que tem para serem "alguém", de preferência com sucesso e fama. Pais psicopatas - sim, estes é que são os doentes e não os metaleiros dos anos 90 - metem-nos a aprender piano ou aguarela ou as duas coisas logo aos 6 anos já a pensar que vão ter grandes artistas e génios na família. Nos ensinos básicos o próprio sistema já estudam economia para que os seus valores maiores sejam o Dinheiro e Dinheiro apenas. A razia máxima deve ser o pré-universitário e universitário em que pouco se pensa nem se deixa reflectir, é Bolonha para despachar canudos para alimentar o Capitalismo. E já agora, pelo que assisti durante o KISMIF, os mestrados e doutoramentos não são mais do que um mercado como o da produção infinita de cabeças de Pez.

O cenário é dantesco, em que todos querem sair profissionais em algo quando acabam a universidade para irem para o mundo do trabalho. Não é assim, meus caros, pouco adianta sair diplomado em BD ou em 3D quando não se leu um bom grego clássico ou um francês humanista ou um austríaco bem bem bem deprimido e assado. Ou um livro sobre Anarquia ou sobre o esclavagismo português ou... o que quiserem. Sem a ajuda do camarada livro, um gajo muito mais fiel que o colega de carteira, não há crescimento nem filosofia de vida. Nem boa arte...

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