sexta-feira, 17 de março de 2017

Úlcera e cia.

Ed. autor; 2016?
Adonis Pantazopoulos e Puiupo

Puiupo é Paula Almeida, uma autora de BD portuguesa que foi para o Brasil. Por cá deixou pouco rastro, uma BD no saudoso Lodaçal Comix e outra mais duas ilustrações em Safe Place de André Pereira - aliás, os momentos mais desafiantes desse livro, desculpa lá, André...

Quanto ao gajo brasileiro com nome grego não sei nada dele, só sei que eles complementam-se ao ponto de fazerem este livro que parece Tsutomu Nihei em "crackinho", ou seja, um pseudo-manga sci-fi em decomposição e hermético em que não se sabe lá muito bem quem fez ou quê - será que foi "a quatro mãos" como o Cão Capacho Bósnio ou a dupla Dupuy-Berberian? Não parece mas pouco importa, estamos no campo da poética com mutantes. Estamos quase lá!

Resta dizer que há uma edição em versão inglesa pela Czap Books.


Por falar nesta editora, recebemos alguns dos seus livros. Dispersa em impressão DIY que significa fanzines fotocopiados, livros em impressão digital ou "chapbooks" em risografia, o catálogo é torto nas intenções, ora tontas ora cultas.

Das "tontas" (por terem um cariz popular) é de referir Witchlight (2016) de Jessi Zabarsky, que é um livro que reúne a história pré-publicada em formato zine. Com uma narração "ocidental" tem uma clara influência de "shoujo" ("manga" para miúdas "teens") com teor assumidamente humano imerso no género de "espada & feitiçaria", como os trabalhos de Hayao Miyazaki (influência assumida desde logo). Uma amizade entre duas raparigas numa caminhada (é sempre uma caminhada neste tipo de aventuras) num universo fantástico pode ser uma treta mas Witchlight consegue transpirar simpatia e positividade sem cair em lamechas artificiais nem na exibição de maminhas de feiticeiras ou de repteis sebosos caso fosse feito por um Conan. Ei! Isto é mesmo para miúdas "teens", porque raios li isto? Resposta: porque não me aborreceu nem me ofendeu. Duvido que volte e reler este livro mas não duvido é que o nome desta autora venha a ser ouvido mais vezes no futuro numa grande editora de entretenimento das Américas...

Tal como Witchlight também a colectânea Puppyteeth é impressa em digital dando alguma frieza e pobreza às edições e aos respectivos trabalhos. Ainda se ressente mais esta frieza dado aos "excessos digitais" dos trabalhos por mais sentimentais que eles sejam. Sentir empatia por eles é difícil, há uma distância que o grafismo mantêm, o que é uma pena porque a BD de Jenn Lisa merecia outro tratamento ou recepção.

Neste número quatro, de 2014, temos três norte-americanos e a Puiupo... Curiosamente ela que apresenta o trabalho mais "artificial" - desenhos degradados que parece que foram paridos num programa de desenho antigo - acaba por ser o que resulta melhor como leitura. Mais hermética e pós-moderna, não deixa ponto de segurança num conto que adivinha-se pouco mais do que se pode adivinhar em Úlcera. Como se costuma dizer não vale muito a pena combater fogo com fogo. Puiupo mostra que o que quer é uma chama maior. Conseguiu...

O melhor fica para o fim... os cadernos em risografia Ley Lines é um projecto que existe desde 2014, dedicado a fazer uma intersecção entre BD e a Cultura (sem ser bedéfila, yes!) lembrando imediatamente o excelente livro Playground do argentino Berliac. Os trabalhos justificam o título da colecção com supostos alinhamentos entre vários lugares de interesse geográfico e histórico percorrendo a ficção e o ensaio. Ou até a poesia gráfica de Warren Craghead com Golden Smoke, talvez o livro mais radical da colecção, em forma (o seu grafismo) e conteúdo (uma diatribe com o mercado da Arte). Sendo que a abrangência de temas nesta colecção é enorme, desde artistas como tão distintos como Bas Jan Ader (1942-75) e Egon Schiele (1890-1918) como catedrais góticas dão o mote às narrativas e imagens.

Belos livros graças também à impressão e produção gráfica "quentes". E uma boa lição editorial!

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