sábado, 23 de janeiro de 2016

Freddo Freddo Freddo Caldo

Foram realmente tantas as coisas boas que trouxe de Valência que não dava para escrever tudo num único "post". E a Canicola dada a sua forte identidade merece um "post" à parte ainda por cima pela quantidade títulos novos de 2015 que lançaram. No entanto, algo paira no ar de estranho neste projecto italiano...

Começou como uma revista de um colectivo de seis autores que colocaram a Itália outra vez no mapa da BD de vanguarda, isto em 2005. Ao longo destes 10 anos a revista foi-se abrindo para novas colaborações (da Europa, América e Ásia) e à medida que o colectivo ia-se dispersando, ficaram alguns elementos que transformaram-se numa casa editorial com um catálogo irrepreensível. Há alturas que projectos como estes, que primam pela independência também podem ser levados por alguma decadência ou crise existencial.
Ou até pode ser só considerada de mais abertura editorial em que que velhos rezingões ficam aborrecidos com isso e então toca a escrever um "post" má-onda a denunciar o desagrado pela a edição italiana de um livro do polaco Maciej Sieńczyk ou então este número 12 (Germania) da revista dedicada à BD Alemã. Não é que este número esteja mau, pelo contrário, há trabalhos com interesse, embora muitos também sejam aquela fórmula "hipster" de uma ilustração por página. É o excesso de cor burguesa que mina o projecto, é que para mim a Canicola é identificável, mesmo quando os grafismo diferem muito, pelas suas narrativas que nos fazem perder o raciocínio nos labirintos sufocantes do preto e branco - como a "série" nova de Andrea Bruno. As BDs de Jul Gordon e Maria Sulymenko são as que fogem ao registo "Poppy" e entrem nesse clima desesperado da Canicola, as outras BDs deviam estar publicadas noutra editora qualquer, não?

Solitudine de Josephin Ritschel, autora que também colaborou neste número germânico, é uma BD que namora a "estética Canicola" mas ainda assim consegue ser demasiada limpa, linear e clara nas intenções - os alemães só se sujam quando são freaks no Alentejo?
A autora tem um sentido "softcore" para as extravagâncias nas sua exploração da "série B" - em 2011 ela deu nas vistas por ter feito um novo episódio dos X Files em BD. Esta tem uma narrativa que junta uma mulher tecnocrata com fobias, uma lagarta mutante gigante e um cão com cara de Zé Manel da Esquina. Não envergonha o catálogo italiano mas sei que vai ser algo que irei apagar da memória daqui... uns... minutos... Já foi!


L'estate scorsa de Paolo Cattaneo também não convence apesar da primeira vista pareça estar enquadrado nessa Canicola idealizada que costuma oferecer detalhados desenhos a grafite e as densas florestações dos cenários (o maior pavor do Homem). Desagrada-me as caras demasiada alongadas das personagens, a exploração da memória de "teenager" em Itália nos anos 90 mais perto do Verão Azul do que as malandrices de Andrea Pazienza (1956-88) e a tradução de toda a santa onomatopeia e escrito nas paredes da BD (WTF!?). A capa brilhante e a "quatro cores" também sai da linha de produção desta editora que sempre teve a escolha de uma cartolina "quente" para as suas capas bicolores. Todo o livro remete para alguma frieza inesperada que começa na capa e vai até ao fim da leitura da história.

O livro Viaggio a Tokyo de Vincenzo Filosa - autor que já publicamos na antologia Crack On - indicava que ia pelo mesmo caminho também pelas escolhas de impressão/papel/capa. Mas não! O conteúdo é quentinho como um "caldo"! Eis um "original" apesar do autor ter entrado muito mais tarde no projecto.
Romance gráfico que se lê no sentido oriental (como os Mangas, perdão, Gekigas) sobre as experiências da viagem e estadia de Filosa em Tóquio, é um trabalho em que a memória é esticada para 10 anos atrás. Claro que a física quântica explica que é preciso ser mais rápido que a luz para se viajar no tempo, logo, este relato de viagem é de longe "certo" em acontecimentos tirando o facto que todas as Sextas-feiras à tarde há uma linha de Metro na capital japonesa onde acontecem suicídios que atrasam os encontros sociais de fim-de-semana. Zeus!
Esta autobiografia (?) de uma memória impossível de controlar criou auto-ficções e um "alter-ego"? Se sim, temos aqui um "nerd" (um Otaku Ocidental!), com problemas de dependência de analgésicos, já para não falar que se representa como um Gótico da Velha Escola. Apesar destas características repulsivas (sobretudo por parecer um Gótico, arf arf arf) sente-se empatia pela personagem que se expõe mesmo que não se saiba o que é "verdade" ou o que é "inventado". Entre as duas possibilidades, o leitor perde-se tanto como o autor/personagem nos sakes dos karaokes, comprimidos pela goela abaixo, fascínio pelos autores Gekigas (que na altura quase nenhum ocidental conhecia), flirts emocionalmente azarados com uma japonesa e o medo constante de ser deportado por causa da drogaria. Este é o melhor exemplo de como a "literatura de viagem" por países industrializados ainda faz sentido em 2015.

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