segunda-feira, 13 de maio de 2013

Parte de todo esto


Martín Lòpez Lam
De Ponent; 2013

As pessoas são burras, estúpidas, egoístas, complicadinhas, fodidas da carola seja em Lisboa, ou no Porto, em Barcelona ou Valência, Lima (no Perú) ou Ponte de Lima já agora. Este é um livro sobre isto. Quer dizer, não é... é sobre pessoas, as suas relações com outras e o meio que as rodeiam. Se calhar nem é isso, na realidade é uma forma do autor falar sobre a sua relação com o seu país-natal, o Peru - Martin emigrou para Espanha, para a cidade de Valência, há uma década e tal.
Talvez as suas histórias em Lima poderiam ser as mesmas que se fossem em Lisboa - as pessoas são as mesmas em todo o lado, a diferença é que em Lima de vez enquando explodiam bombas implantadas pela Sendero Luminosa, uma organização terrorista de teor marxista que operou no Perú entre a década de 80 e 2000. Não havendo feridos dessas bombas nem se querendo um retrato jornalístico ou antropológico, é a forma como se vive e como se conta que faz a diferença, dentro de uma tradição de raiz latina-americana na BD onde vamos encontrar os irmãos Hernandez e o mestre José Muñoz. Martin apesar de novinho e só com este livro já se meteu ao lado destes! Só lhe falta a fama e respeito que os outros têm! Como é possível?
O livro é pesadão com as suas 200 e tal páginas cheias de tinta da china à pincelada - a lembrar o registo gráfico do belga Joe G. Pinelli - num tamanho de álbum que deverá meter inveja a muito francês tosco. O livrão junta várias BDs - algumas ensaiadas no seu zine Kovra - que são fragmentos autobiográficos e auto-ficções de Martin na sua juventude nos anos 90 no Peru. O texto é tão pesado como o livro porque não obedece à regra comercial da BD do pouco texto mais imagem tão em voga nos dias de hoje mas também não escreve para ser redundante - o texto não repete a imagem. O teor literário desta obra pode ser encontrado em outros autores de BD que também partilham a autobiografia como Eddie Campbell (o seu trabalho com Alec), Fabrice Neaud e o referido Pinelli ou a auto-ficção como Adrian Tomine nos bons velhos tempos do Optic Nerve. Não se sabe onde está o Martin nas várias personagens que aparecem nas BDs, não sabemos se ele é tão cínico nas suas opiniões pessoais - tudo diria que sim a julgar pela sua participação no Boring Europa - ou se é tão tarado pelo sexo oposto (idem idem aspas aspas) como se vê e lê com as personagens do livro.
A beleza do livro é como todos os pensamentos dessas personagens, alter-egos de Martin, vão criando um sentido e uma resposta final sobre o que Martin pensa sobre o seu passado. Se ele alguma vez o Martin voltar a Portugal para alguma feira de edição independente (esteve duas vezes na extinta Laica) não lhe perguntem pelo Peru mas comprem-lhe este livro, sff.

Este é para mim já um dos livros de BD de 2013. E não é à toa que é um livro que serve para várias interpretações. O próprio autor já tratou até disso publicando o Dote de poto a tres (Ed. Valientes; 2013) descrito como um «zine improvisado e realizado a partir de desenhos e vinhetas da BD "Parte de todo esto", do mesmo autor junto a outras imagens encontradas».
Trata-se de um "comix-remix" sofisticado de reaproveitamento de imagens com um texto completamente novo. As estruturas narrativas de Parte de todo esto não influenciam em nada este novo trabalho, o uso é exclusico sobre o(s) desenho(s) para contar algo diferente, tanto que a "literatura" de Martin prevalece sem ter-se de vergar à figuração humana para avançar o texto. Obra independente do "livrão", não é preciso o grandalhão para "perceber" este. Genial!

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