quinta-feira, 5 de julho de 2012

Infecção urinária de Deus


Considerando que em Portugal não existe um único instituto público – ou privado? – que coleccione os fonogramas editados no país, é realmente de considerar as colectâneas À Sombra de Deus como um caso de salutar pelo o objectivo do projecto e pela regularidade do mesmo. Este ano por âmbito de uma comemoração qualquer da em volta da Juventude lança-se o quarto volume.

Suponho que o Governo português – tenha ele acabado com o Ministério da Cultura ou não – nunca tenha pensado o quão importante poderá ter um acervo público de discos de música portuguesa. Nem que seja pelo caso mais fácil de pensar que é pela necessidade do seu estudo seja na vertente popular seja na de vanguarda, já para não falar da importância de património dos objectos e colecções. A verdade é que se alguém quiser estudar o Rockabilly em Portugal ou música electrónica portuguesa, eu pergunto, onde uma pessoa poderá investigar? As respostas não são satisfatórias:

1) Através de colecções privadas de “cromos” (coleccionadores alucinados e outras espécies de ser humanos) – o que significa que se o cromo for doido ou se fartar de aturar malta a mexer-lhe nos discos, acaba-se a mama!
2) Pela cultura digital: youtubes, wikipedias, mp3, etc… giro, giro mas a internet não é segura em dados, não se pode consultar embalagens (pode ser importante para um trabalho sobre grafismo Punk, por ex.), etc…
3) Fonoteca de Lisboa… espera lá? Essa merda ainda existe? Parece que sim, havia rumores que ia acabar mas parece que mudou de sítio apenas… bom, afinal ainda existe uma colecção pública para irmos consultar discos. Ainda assim é um equipamento municipal e não nacional, significa que é mais fácil de desaparecer do que uma instituição do governo central, por exemplo – ou talvez não, alô Ministério da Cultura?

Por estas razões, mais até que a qualidade da música propriamente dita, é que as colectâneas À Sombra de Deus são importantes até porque a primeira saiu em 1988, seguido pela segunda em 1994, a terceira em 2004 e agora o quarto volume que aliás é duplo. Produzidas pelas mãos dos Mão Morta e da Câmara Municipal de Braga, são preenchidas com temas inéditos de bandas Bracarenses. O grande objectivo é fazer uma apresentação do panorama da música bracarense, e ao longo da progressão cronológica dos volumes vamos ter uma visão abrangente não só das bandas da capital minhota mas também da evolução da cultura musical urbana em Portugal e até um raio xis da sociedade portuguesa – pode-se fazer História com estes discos!
Logo no início, nota-se nos dois primeiros volumes (também eles com menos tempo de intervalo entre eles) que o “post punk”, o “industrial” e o “dark” eram os vectores musicais que mexiam Braga (e o resto do país) através da “gangue” que circulava em volta dos Mão Morta, sem dúvida a banda mais conhecida da cidade. A colectânea de 2004 já explode em várias frentes: alt.country, Funk, Metal, Electrónica e até Hip Hop. Em 2012 as “divergências sonoras” continuam numa alegre salganhada de estilos representados pelas 23 bandas.
É quase impossível ouvir os dois discos deste 4º volume sem ficar irritado com uma ou duas músicas, não porque os estilos sejam repreensíveis – quem ache isso ainda tem de crescer ou deixar de ser um fascistazinho do gosto – mas sobretudo porque haverá sempre músicas insuportáveis para gregos e para troianos.
Quem ouve Pop redondinha vai ficar lixado em ouvir as três bandas Metal que aparecem: Vai-te Foder, Spitting Red e Hunted Scriptum – já agora todas elas com algum interesse! Quem não suporta Pop/ Rock e “cantautores” (como eu) vai-se passar com Governo (que treta este walter hugo mãe! Quem é que lhe incentiva a cantar?), Cavalheiro (cristãos chatos em ressaca FlorCaveira?), Balão de Ferro (rock de letras mongas), Smix Smox Smux (um terrível orelhudo com uma letra freudiana), The 1969 Revolutionary Orgy (Blues de látex que engana as expectativas do nome da banda)…
Depois há as coisas que não batem bem, não que elas sejam propriamente boas mas pelo menos deixam-nos confusos como Anguria e Monstro Mau fazem funks fatelas (Monstro Mau rapina Parliement/ Funkadelic) mas pelo menos as letras não são óbvias, Nyx um exercício electro-acústico com voz de Diva lírica, Palmer Eldritch com “glitches” simpáticos, e Ermo que não se percebe se querem ser uma banda de Dark Folk ou apenas um grupo de coro gregoriano que nos faz gregoriar.
Todo o resto é a produção profissional musical Pop/Rock que este país alcançou sem que isso mostre rupturas sonoras de nenhuma forma ou até mereça referência – convenhamos quem quer dar mais “hype” a bandas betas como Peixe:Avião? Acho que não merecem… E claro, no meio há toda a “família” Mão Morta que não desiludem, como é óbvio. Os próprios com uma participação com ar retro, Estilhaços com o Adolfo Luxúria Canibal a recitar Mário Cesariny (1923-2006) e os Mundo Cão. De enaltecer os feitos dos Mão Morta em instigar essas colectêneas fazendo um trabalho público que poucos se lembrariam de o fazer ou que poucos se dignariam em fazé-lo e sobretudo em continuá-lo. Ministério da Mão, já!
Concluíndo, este retrato possível de Braga é mais ou menos igual ao que poderia ser o de Lisboa ou outras cidades do país, ou seja, temos música Pop / urbana que replica os modelos anglo-saxónicos sem grandes feitos de originalidade ou de vontade de sair da mediocridade, acrescentados por um ícone. As bandas mostram-se limpas e profissionais com vontade de ir até ao Templo da Fama sem quererem fazer pactos com o Diabo. Sendo Braga a cidade que deve ter mais igrejas e capelinhas por metro quadrado, pelos visto mesmo sendo a cidade mais jovem da Europa, os seus jovens não desejam ser irreverentes – como o foram os Mão Morta – mas preferem ser atinhadinhos. O “Sr. Atinado” é aliás um sinal dos tempos que se vive nesta Europa envelhecida que contagia o pensamento, a acção e a arte. Vamos ter de esperar por boa música numa colectênea a intitular-se “À Sombra de Deus – Neo-Bracara 2017”! Como sabemos por volta dessa data o Mundo já acabou e os Mutantes governarão o Século XXI. Amén!

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