segunda-feira, 29 de março de 2010

Petiscos de Jesus



A FlorCaveira 2009 não é a de 2006, do "panque roque e cristo" passou para "folque e cantautor". A carreira de colectivo DIY de pobretanas descambou num grupo de gente que canta Pop/Rock em português com orgulho e com produção profissional. Longe ficou o "Hardequore" e "Panque", ou valor do barulho do Roque, o que diria que mesmo com o aguardado próximo álbum do Tiago Guillul não poderá eliminar o possível "sell-out" da coisa. A progressão lógica deu-se porque em Portugal é fácil ser "o primeiro". Sendo o panorama de músico Pop/Rock caquético, estando o Hip Hop (até algum tempo a única hipótese de salvação da língua portuguesa no campo da música urbana popular) nas ruas da amargura, é natural que a FlorCaveira tenha tido uma explosão nos "media" tal forma que o decadente Ipsilon tenha-se transformado num boletim da paróquia da FlorCaveira - que acredito que deve dar algum prazer ao pessoal Caveira - ao mesmo tempo que se deu uma implosão na Flor que permitiu entrar nas suas fileiras católicos e pagãos, que em linhas estéticas se identificavam com pelo menos uma linha da Caveira.
Por isso, acho que a aúrea da FlorCaveira perdeu-se por cansaço e repetição porque o que foi fácil de fazer ou de promover foi o melódico (claro) e porque os projectos "barulhentos" estavam (estão) adormecidos. Também acho que os músicos menos interessantes (o imberbe B Fachada ou o balofo João Coração) tiveram mais protagonismo do que o fundador, produtor e verdadeiro panque do senhor, Tiago Guillul - mas ele tal como o Senhor voltará, e será mais rápido que o Criador! É com a desconfiança dado ao "hype" - a máxima "Don't believe the hype" nunca se engana! - que ouvi umas trocas que me actualizaram das últimas edições da Flor e uma antiga que nunca tinha ouvido, do tal Coração...
Não podia estar muito certo nem muito errado, do lote há de tudo e quem se destaca é o Diabo na Cruz com o álbum Virou! (2009) que faz o "upgrade" à música popular portuguesa que já merecia, sem entrar em macacadas mercenárias como os Humanos e quejandos - mesmo quando DnC é uma "super-banda" que inclui Jorge Cruz ou B Fachada. Fazem "corridinho-panque", New Wave de cavaquinho, toda a batida da Pop moderna sobre raiz tradicional sem ser totalmente piroso. É orelhudo até ao tutano e viciante como o rabo de uma minhota - um rabo que aparece na capa do disco, próxima de qualquer capa de disco de Kuduro ou Lambada, e já agrediu o puritanismo da FlorCaveira... É bem feita, a música popular não religiosa! Meteram-se com os pagãos e sujaram as mãos. Mas acho que valeu a pena...
Se ainda gostasse de Pop diria maravilhas da estreia a solo de Jónatas Pires (dos Pontos Negros) com Vestido Preto (2009) mas como já não suporto Pop só posso ser minimamente maldoso. Ainda assim sabe bem ouvir o moço excepto quando a coisa vai parar aos tiques dos Arcade Fire (bandinha insuportável!) ou coros a lembram alguns dos Queens of Stone Age (boa banda esta sim!) o que torna a coisa óbvia. Excelente produção / gravação e calor humano... merece apostas!
Ambas capas foram desenhadas por Paulo Ribeiro, um dos grafistas da Flor.


Por fim duas desilusões, uma bem esperada, o Nº1. Sessão de Cezimbra (2008) de João Coração (o segundo católico da FlorCaveira) que depois de ouvir este álbum só apetece citar uma resenha crítica de um zine da Latrina do Chifrudo: «é chato chato chato». Se o próximo álbum tem alguma piada nada posso dizer sobre este primeiro, musiquinha de escoteiros, Prozac Nation e fetichistas de vitrais. Como se não soubessemos que os católicos são uns lagonhas...
Nem lhe tocava (2009) de Samuel Úria teria tudo para ser um grande álbum a começar pelos desenhos da capa e interiores do próprio Úria a dar-lhe nas canetas de feltro coloridas - belos desenhos, diga-se! - que ilustram realmente o disco que é. E o disco não é de feito das figurações de um canastrão janota mas pelas cores de rebuçado desses desenhos. Quem esperava um neo-blues protestante como Em bruto engana-se, Nem lhe tocava é rebuçado doce limpinho saído da fábrica. A sensação que tenho é a mesma de quando lia o Hate (comic-book de Peter Bagge sobre a geração X norte-americana) a preto e branco e deixei de o fazer quando ele passou a ser a cores. Algo se perdeu ou algo fez-me confusão - como a muitos puristas e fãs de base, suponho. Aqui é similar e até há um exemplo de estudo, o tema Teimoso, que em Em bruto é sujo e arrastado, em Nem lhe tocava está Pop com tiques de Beck e reduzido o tempo de duração... Talvez daqui uns tempos venha a descobrir que este álbum seja bom, agora, não engulo - aliás, os rebuçados não se engolem!

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