quarta-feira, 31 de março de 2010

punk que é punk não grava!

Geralmente bandas Punk mesmo que mediocres costumam resultar bem ao vivo, o problema é quando gravam em estúdio o "power" desaparece. O que não é bem verdade, para além das excepções seminais, por acaso em Portugal nos anos 80 e príncipios de 90 quem melhor gravou os melhores discos com qualidade de som foram as bandas punk (Peste & Sida, Censurados e Mata-Ratos) versus bandas super-originais mas que em disco tinham produções horríveis, como os Lucretia Divina, por exemplo.
Nos últimos meses, sabe-se lá porquê, fui acumulando discos de Punk / Hardcore ad nauseam, género que deixei de ouvir há muitos anos por achar que para além de estarem mortos criativamente (e estão) são fechados em si mesmos (e são), nutrem uma atitude hipócrita de aclamarem abertura e liberdade mas ignoram as bases oferecidas pelos Clash (mestiçagem e cosmopolitismo) e pelos Crass (experimentação). Para tanto discurso anti-racista e anti-imperialista é incrível que o punk-rock ainda seja só velocidade (Ramones) e distorção (Sex Pistols).

Tocaram no lançamento do novo álbum dos Albert Fish, e os putos-mesmo-com-mesmo-cara-de-putos holandeses This Routine Is Hell ganharam a... tarde - o concerto foi na Casa de Lafões (tipo Sociedade Recreativa decadente em que os punks e hardcores tem usado quase todas as tarde de fim-de-semana para organizar concertos no melhor estilo matinê). E se ao vivo incendiaram a casa, no disco The Verve Crusade (Shield; 2009) aguentam-se bem no lado A (sim é um vinil! e vermelho!) e vão perdendo pica para o lado B - é mentira!!! Eu é que vou perdendo a pica de ouví-los, porque não gosto de Hardcore seja como for! Lembra Rollins Band pelo arranca-e-pára e mudança de ritmos, e pela forma explosiva como as letras são berradas de forma emotiva e com presença "física". De certa forma ao ouvir o disco parece que ainda estou a ver o vocalista ao vivo.

E não há Hardcore sem os D.O.A. nem por que seja porque foram eles que cunharam o género com um álbum de 1981. Ouvindo War and Peace (Red Star 77; 2003) que reúne temas de 1978 até 2001, percebe-se o que vai separar o Punk inicial dos anos 70 (com uma raiz Rock acrescentada de um atitude feroz) do Hardcore (que pega no Punk e acelera ainda mais o ritmo e torna tudo mais agressivo: guitarras, letras, voz,...), em que os D.O.A. estiveram dos dois lados, um tema Disco Sucks (1978) é pura parvoíce teenage punk enquanto que um tema como World War 3 (1980) já exibe outro tipo de preocupações nas letras e potência no som. Mas sobretudo o Hardcore é mais que uma segunda geração de Punks mais selvagens, é uma geração que passa a usar o DIY como arma (fotocópias, zines, singles baratos também com capas fotocopiadas, concertos auto-organizados, auto-edição, etc...), e a ter uma postura política radical - realmente anarquista (sobretudo na Europa), de esquerda-radical ou até moralista (o movimento straight-edge). Os D.O.A. são são uma instituição viva que neste disco comemoraram 25 anos de existência, em que realmente dentro de um cenário Hardcore ouve-se um bocado de tudo, a cena rápida, o uso de Reggae numa ou noutra faixa (War in the East, Death to the Multinationals), a versão manhosa (War de 1969, aqui gravada em 1982, três anos de Bruce Springsteen torná-la quase "sua"), a loucura da participação com outro mito do Hardcore, Jello Biafra (do álbum Last Scream of the Missing Neighbors, 1989), a onda poppy com Ska (Overtime) e ainda algumas "sing-a-longs" anti-globalização ingénuas como Just say no to the WTO (2001). A energia existe em qualquer dos "tipos" referidos não fosse esta uma banda canadiana - juro que existe algo de estranho com as "bandas pesadas" daquele canto do planeta.

Voltando aos Albert Fish, no final do ano lançaram o novo álbum News from the Front (Your Poison + Raging Planet + Zerowork + Graver + Criminal Attack; 2009) que apesar das artimanhas orelhudas de Hardcore melódico (mas sem ser o de praia) cheio de "oh, oh, oh" até arrepia porque tem a velocidade e energia para convencer. Bom disco de Punk Template depois do Punk já ser MTV à escala global, tudo é certinho e tudo bem tocado que até se perdoa a falta de ousadia de querer esticar os limites. Ao ponto que o único defeito a apontar é a voz que se percebe que é inglês batata frita. Nunca pensei que poderia vir a gostar disto... é o que faz ter perdido os discos dos Offspring nos anos 90...
(esta é a primeira versão da capa do disco mais gira que a final - por acaso encontrei na 'net e achei mais porreira de se publicar para ver se Punk aprende)

Os Intervenzione já acabaram (1995-2005) mas ainda assim foi editado Last screams (Rebeldes Vagabundos do Haxixe; 2009) com gravações perdidas de uma banda que circulava num Hardcore típico dos anos 90, politizado e militante, com uma voz feminina que bem berrava - Lena era o seu nome e será das primeiras vocalistas de bandas pesadas?
Algumas letras roçam o inglês ingénuo (Free Tibet), outras o português ingénuo (só duas) com um impacto bem maior para quem é português. Basta ouvir TVI sai do ar (mesmo que seja uma "ripada-homenagem" ao tema MTV get off the air dos Dead Kennedys) para sentir um impacto bem maior que... Free Tibet? São só 23m de agonia Hardcore, suporta-se bem. O CD ainda tem vídeos de 1999 da banda ao vivo e que mostram que em tempos Lisboa já foi uma cidade com casas okupadas - bons velhos tempos!!!

Agonia à sério são os italianos Kalashnikov - qualquer dos seus álbuns (todos eles disponíveis para descarga) embora tenha começado pelo Dreams of Super-Defeated-Heroes (2007). São um grupo de Milão super-militante do DIY, tanto que os todos os seus discos (incluíndo os "projectos paralelos") podem ser descarregados, não só os ficheiros mp3 mas também as capas, letras, etc...
Os discos físicos vive de uma rede de editoras ou organizações similares que apoiam essa materialização física dos discos, talvez por isso que encontrei um exemplar através da Infected Records, que comprei logo dado ao atraente grafismo da edição e a colagem de imagens do Homem-Aranha (dos anos 70 - e já agora em italiano: Uomo-Ragno!) com imagens de "riots" (provavelmente também dos quentes anos 70 em Itália). Uma banhada caucasiana total que mais parece um disco de Power Metal com uma voz feminina terrível. De punk só se for a atitude DIY e as letras políticas. Outros que não perceberam os Clash nem os Crass...

segunda-feira, 29 de março de 2010

Petiscos de Jesus



A FlorCaveira 2009 não é a de 2006, do "panque roque e cristo" passou para "folque e cantautor". A carreira de colectivo DIY de pobretanas descambou num grupo de gente que canta Pop/Rock em português com orgulho e com produção profissional. Longe ficou o "Hardequore" e "Panque", ou valor do barulho do Roque, o que diria que mesmo com o aguardado próximo álbum do Tiago Guillul não poderá eliminar o possível "sell-out" da coisa. A progressão lógica deu-se porque em Portugal é fácil ser "o primeiro". Sendo o panorama de músico Pop/Rock caquético, estando o Hip Hop (até algum tempo a única hipótese de salvação da língua portuguesa no campo da música urbana popular) nas ruas da amargura, é natural que a FlorCaveira tenha tido uma explosão nos "media" tal forma que o decadente Ipsilon tenha-se transformado num boletim da paróquia da FlorCaveira - que acredito que deve dar algum prazer ao pessoal Caveira - ao mesmo tempo que se deu uma implosão na Flor que permitiu entrar nas suas fileiras católicos e pagãos, que em linhas estéticas se identificavam com pelo menos uma linha da Caveira.
Por isso, acho que a aúrea da FlorCaveira perdeu-se por cansaço e repetição porque o que foi fácil de fazer ou de promover foi o melódico (claro) e porque os projectos "barulhentos" estavam (estão) adormecidos. Também acho que os músicos menos interessantes (o imberbe B Fachada ou o balofo João Coração) tiveram mais protagonismo do que o fundador, produtor e verdadeiro panque do senhor, Tiago Guillul - mas ele tal como o Senhor voltará, e será mais rápido que o Criador! É com a desconfiança dado ao "hype" - a máxima "Don't believe the hype" nunca se engana! - que ouvi umas trocas que me actualizaram das últimas edições da Flor e uma antiga que nunca tinha ouvido, do tal Coração...
Não podia estar muito certo nem muito errado, do lote há de tudo e quem se destaca é o Diabo na Cruz com o álbum Virou! (2009) que faz o "upgrade" à música popular portuguesa que já merecia, sem entrar em macacadas mercenárias como os Humanos e quejandos - mesmo quando DnC é uma "super-banda" que inclui Jorge Cruz ou B Fachada. Fazem "corridinho-panque", New Wave de cavaquinho, toda a batida da Pop moderna sobre raiz tradicional sem ser totalmente piroso. É orelhudo até ao tutano e viciante como o rabo de uma minhota - um rabo que aparece na capa do disco, próxima de qualquer capa de disco de Kuduro ou Lambada, e já agrediu o puritanismo da FlorCaveira... É bem feita, a música popular não religiosa! Meteram-se com os pagãos e sujaram as mãos. Mas acho que valeu a pena...
Se ainda gostasse de Pop diria maravilhas da estreia a solo de Jónatas Pires (dos Pontos Negros) com Vestido Preto (2009) mas como já não suporto Pop só posso ser minimamente maldoso. Ainda assim sabe bem ouvir o moço excepto quando a coisa vai parar aos tiques dos Arcade Fire (bandinha insuportável!) ou coros a lembram alguns dos Queens of Stone Age (boa banda esta sim!) o que torna a coisa óbvia. Excelente produção / gravação e calor humano... merece apostas!
Ambas capas foram desenhadas por Paulo Ribeiro, um dos grafistas da Flor.


Por fim duas desilusões, uma bem esperada, o Nº1. Sessão de Cezimbra (2008) de João Coração (o segundo católico da FlorCaveira) que depois de ouvir este álbum só apetece citar uma resenha crítica de um zine da Latrina do Chifrudo: «é chato chato chato». Se o próximo álbum tem alguma piada nada posso dizer sobre este primeiro, musiquinha de escoteiros, Prozac Nation e fetichistas de vitrais. Como se não soubessemos que os católicos são uns lagonhas...
Nem lhe tocava (2009) de Samuel Úria teria tudo para ser um grande álbum a começar pelos desenhos da capa e interiores do próprio Úria a dar-lhe nas canetas de feltro coloridas - belos desenhos, diga-se! - que ilustram realmente o disco que é. E o disco não é de feito das figurações de um canastrão janota mas pelas cores de rebuçado desses desenhos. Quem esperava um neo-blues protestante como Em bruto engana-se, Nem lhe tocava é rebuçado doce limpinho saído da fábrica. A sensação que tenho é a mesma de quando lia o Hate (comic-book de Peter Bagge sobre a geração X norte-americana) a preto e branco e deixei de o fazer quando ele passou a ser a cores. Algo se perdeu ou algo fez-me confusão - como a muitos puristas e fãs de base, suponho. Aqui é similar e até há um exemplo de estudo, o tema Teimoso, que em Em bruto é sujo e arrastado, em Nem lhe tocava está Pop com tiques de Beck e reduzido o tempo de duração... Talvez daqui uns tempos venha a descobrir que este álbum seja bom, agora, não engulo - aliás, os rebuçados não se engolem!

sexta-feira, 19 de março de 2010

Sugar Fang III + Antibothis, vol.3 AMANHÃ



Em Dezembro de 2008, o polémico autor norte-americano Mike Diana visitou Lisboa durante o evento Furacão Mitra (na Interpress) e inaugurou não uma mas duas exposições! Ou seja, devido a problemas com a sua bagagem perdida, houve uma exposição improvisada e passados alguns dias houve a exposição “oficial”, a segunda versão da Super Fang!

O que apresentamos nesta exposição a inaugurar AMANHÃ, na Artside, às 17h, são os "restos mortais" que Diana deixou porque foi tão cheio de bonecos de bebés e livros/zines portugueses de volta para Nova Iorque que teve de deixar os seus trabalhos cá. São desenhos, pinturas e umas cabeças diabólicas que estarão em exposição pública até dia 10 de Abril.

Entretanto, o livro Sourball Prodigy esgotou – deixando a editora MMMNNNRRRG a comemorar os seus 10 anos com mais um triunfo entre muitos outros a acontecer este ano – mas ainda há muitas antologias da Chili Com Carne (Mutate & Survive, CriCas Ilustradas, Chili Bean) com bd’s de Diana.

Aproveitando o facto de que no próximo e quarto volume será publicada uma entrevista a Diana, aproveitamos para lançar o presente e terceiro volume de Antibothis (quinto volume da colecção THISCOvery CCChannel).

Após a excelente receptividade que a antologia literária Antibothis obteve a nivel global e a sua aceitação e interesse por parte de colectivos, escritores e musicos, não restava outra saida à Thisco e à Chili Com Carne que a de voltar ao ataque com o terceiro volume,desta feita com textos de John Zerzan, Adi Newton e Jane radion Newton, Randall Pyke, Franck Rynne, SocialFiction, Nygel Ayers, Joe Ambrose, Iona Miller, Thomas Lyttle, Ewen Chardronnet, Earth First e Chad Hensley. Como sempre com uma capa ilustrada por André Lemos e design de João Cunha. O CD que acompanha o livro conta com as participações de The Master Musicians of Joujouka, Phillipe Petit, Lydia Lunch, Checkpint 303, Kal Cahoone, Gintas k, Orbit Service, Anla Courtis, Stpo, Jane Radion Newton/Adi Newton, Zeitkratzer, Gjoll e Pietro Riparbelli.
...
Ainda sobre Diana: «Foi numa carta (privada) à minha pessoa, enquanto editor do livro Sourball Prodigy, que o autor de bd Janus (O Macaco Tozé) comentou que Diana só é um autor polémico porque «habita num país de imbecis». Provavelmente se habitasse na velha Europa não teria nem a metade das chatices. Mas não, no estado da Florida vive-se a "tolerância zero" - ou seja, nem uma sex-shop pode se instalar por aquelas bandas. E por isso mesmo que Diana nos anos 90, puto na altura, editor do zine Boiled Angel, teve dois azares terríveis com a Justiça norte americana, azares esses que o tornaram mundialmente famoso.
Diana nasceu em 1969 em Geneva, Nova Iorque, mas a sua família mudou-se para a Florida em 1979. Desde criança gostava de desenhar, na juventude teve acesso às reedições de bd’s de horror EC Comics e às ultra-violentas e escatológicas de S. Clay Wilson. Inspirações directas para Diana que começou a fazer zines de bd e sobre cultura “serial killer” em 1988. O primeiro chamava-se Angelfuck (inspirado pelos Misfits?), recebeu boas críticas no importante meta-zine Fact Sheet 5. Um ano mais tarde começa Boiled Angel e no número seis deste título começam os seus problemas. Tudo começou quando foi considerado suspeito de ser o "serial-killer" de Gainesville por causa da capa desse número - e à americana, era um dos 10 000 suspeitos que submeteram-se a testes de sangue,... mas mesmo "à americana", foi o que lhe aconteceu a seguir, entre 1993 e 1994, é acusado de produzir e distribuir “material” obsceno por causa dos números 7 e 8 do zine. As consequências foram várias: foi preso durante 48h numa cela de segurança máxima (no fim-de-semana para o segundo julgamento), teve uma sentença de 3 anos em liberdade condicional, não se podia aproximar de menores, teve de pagar multas, trabalhar em serviços comunitários, tirar uma carteira profissional em jornalismo, ser avaliado psicologicamente (às suas próprias custas!), não podia ter em casa material "obsceno" nem... poder desenhar mais!
A notícia espalhou-se pelo mundo fora, tendo chocado a comunidade internacional. Foi assim que conheci o caso, já em 1995, e escrevi a dar apoio ao autor. Comecei a publicar os seus trabalhos em Portugal, primeiro no zine Mesinha de Cabeceira (...).» - Marcos Farrajota in Umbigo

 

ainda sobre ANTIBOTHIS: são antologias literárias occulturais periódicas, apresentado textos e entrevistas de autores tanto desconhecidos como já com créditos firmados, na dissidência e disseminação alternativa de informação e propaganda literária, uma revolta em nome da imaginação em oposição a uma existência tóxica de baixo teor cognitivo.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Escolhe a tua máscara!


Ex-peão : Máscara (Banzé / Compact; 2006)
É estranho ouvir o álbum original depois de ouvir o de remisturas... mas o mais estranho é perceber como um álbum deste passou despercebido pelos media (mais sobreviventes do que iluminados) como o Ipsilon ou o Blitz, quando se trata um dos álbuns portugueses mais importantes da década - ao lado dos Mão Morta (Nus), Stealing Orchestra (The Incredible Shrinking Band) e algumas produções da Matarroa (MatoZoo, Nerve, XEG) e FlorCaveira (Tiago Guillul). Desconfio que houve "lobby" do Rui Miguel Abreu que impingiu as tretas que editou pela Loop Recordings, uma vez que ele acumulava as funções de dono da extinta editora e como jornalista (Op, Ipsilon, Blitz) desacreditando o movimento Hip Hop, o fenómeno mais importante da música portuguesa desde o "boom" do Pop / Rock português nos anos 80 e a militância do Punk / Hardcore nos anos 90.
Mesmo que o Hip Hop tenha-se tornado mole e cristalizado como aconteceu com os géneros "libertários" como o Punk, Industrial e Electrónica, o facto é que só o pior do Hip Hop é que foi promovido, os que tinham a imagem limpa pelas editoras comerciais e pseudo-alternativas. O que é bom está nas margens, como sempre, como o caso de Máscara, um álbum que merece o estatuto de "clássico" que apenas peca pelo tema A História, a luta que inclui coros femininos fúteis R'n'B mas como o Ex-Peão canta de forma tão estranha até parece que está a gozar com algo... será uma "private joke"?
Mas vamos por partes, as letras de Ex-Peão são das mais lixadas que ouvi, mais que o "white-trash" do Nerve ou o neo-realismo de XEG, não tendo pejo em fazer acusação política - quero ter imunidade política como o Soares para poder trazer joias de África (...) quero candidatar-me à presidência da câmara / fugir para o Brasil para voltar com mais fama (...) quero fazer parte da Maçonaria para passar à frente a burocracia no tema homónimo que abre o CD - observação social (quase todo o álbum), alucinação religiosa (Guerra dos Anjos, O Amanhã) e ainda com direito a uma ode romântica-urbana (Noites frias).
O que é fabuloso neste álbum é que foge aos clichés irritantes que o Hip Hop português se foi entregando (masturbação e elitismo, excesso de duração dos álbuns, "beats" pouco imaginativos, ausência de personagens ou personalidades fortes mas quase todos com egos inchados). Consegue cumprir a regra pós-moderna de piscar para o passado (homenageando os Táxi com Bairro ou com a versão "up-grade" escondida de Pós-Modernos dos GNR) e a celebração do presente (Guerra dos Anjos tem a mão de HHY que consegue ser demolidor na produção entrando em Dub Industrial a lembrar o tratamento de Limb Shop dos Mécanosphère). Considerando o que foi feito depois com o disco de remisturas, em que se deve esquecer algumas javardices Transe e Dance, e já sendo a parte instrumental simultaneamente Hard e Groove, está bem longe do anacronismo de maior parte da produção portuguesa. Quase dá vontade de fazer um "best of" dos dois discos - no sentido de escolher as melhores remisturas para substituir os originais e passar a ter o álbum perfeito. Num artigo na Rua de Baixo: Ex-Peão não faz batidas que suportam as suas rimas, faz músicas, dando igual atenção às letras, às melodias e instrumentalização. (...) «Gosto de tocar, cada vez mais. Cada vez mais me interessa a produção musical, não só produzir batidas, mas também gravar as vozes, os instrumentos, misturar… Toda a produção musical». No mesmo artigo revela-se ainda que o músico (mais conhecido por integrar os Dealema): o percuso musical de Ex-Peão não se inicia no hip-hop, constituindo o metal, o industrial, o punk-hardcore, o techno e o drum’n bass referências estilísticas que foram incorporadas em “Máscara”; e ainda: «Eu não sou hip-hop tuga!», afirma.
Estupidamente orelhudo ao mesmo tempo que trata de temas sobre o desgaste dos nossos tempos, a selva urbana documentada por Ex-Peão tem a mesma relevância que teve o álbum de estreia dos Mão Morta, com a agravante que sabemos que (realmente) os (nossos) tempos pioraram. Portugal acompanha a maior tendência da "brasilificação" na Europa, ou seja o aumento cada vez maior do fosso entre ricos e pobres, e sendo Ex-Peão do Norte deve sentir mais na pele onde essas diferenças são mais nítidas.
Um disco obrigatório para os 00. Ei!

terça-feira, 16 de março de 2010

Estamos bem...




In/between. The Organic Flow of Drawing : The artwork of Paulo Arraiano / YUP (Auf blank; 2010?) Olá! Sou o Rudolfo (Rude Comix; 2010) Rudolfo O Mundo num segundo (Planeta Tangerina; 2008) Isabel Minhós Martins (t) e Bernardo Carvalho (i) Salão Coboi X (Plana Press; 2010) José Cardoso

Portugal pode andar triste mas pelo menos já não é só um país de poetas - imagem deprimente, diga-se. Visualmente ganhou qualquer coisa na última década. Se na música anda sempre com os 3 anos de atraso a imitar apostas anglo-saxónicas caducas, pelo menos na ilustração está em sintonia com as novas tendências estrangeiras e sem as pancadas nas costas, como provam estas quatro edições, todas elas bastante diferentes em formatos e objectivos.
Aquele que mais se distingue desta fornada, é o Mundo num Segundo da Planeta Tangerina devido à função óbvia de ser um livro (comercial) para a infância, e devo admitir que gostei imenso de o ler quando vinha de Metro de Matosinhos para o centro do Porto, com uns gunas a berrarem e a fazerem merda - o Porto pode ter muita "gente gira" mas em compensação tem a mitragem mais xunga do país! Mas voltando ao livro, nota-se uma influência ainda europeia (Loustal vêm à cabeça, por exemplo) no grafismo e cores mas como parece em toda a produção da Tangerina, há aqui inteligência para os putos. Ao contrário de 90% da produção dos livros para a infância (por isso, 10% são da Tangerina e da Orfeu Mini) é feita a pensar no escritor "super-star", qual guitarrista balofo do Prog Rock, sem nunca pensar na imagem (o mais importante num livro prá infância?) ou até no formato do livro (para a leitura ser agradável e ergonómica?). Neste Mundo Num Segundo, percorremos o mundo pelas linhas de longitude que tanto passam por Karabuk (na Turquia «...uma encomenda chega ao seu destino») como Mértola, eventos mínimos, quotidianos e insignificantes acontecem página à página (quadradinhas e bonitas) mas que mostram (e ensinam) a magnitude do que é esta Aldeia Global. Até um trintão como eu poderá ficar impressionado ao percorrer este livro, com ou sem gunas a bombarem Techno do telemóvel enquanto socavam as paredes da carruagem para impressionarem os seus projectos de putas...
O trabalho do Rudolfo também se destaca porque é um trabalho de escola, em que o mesmo aproveitou para fazer um livrinho quadrado (um bocado superior ao formato do CD) em que sequencialmente conta o seu dia-a-dia "trash-pop", fundindo fotografia com ilustração num registo cómico. O desenho dele, tal como os de YUP e José Cardoso inserem-se numa onda global de desenho em que o excesso de desenhos animados e de bd, jogos de computador, Street Art, Tattoo Art, Design, custom / tuning / cosplay, Hip Hop, Electrónica entre outros fenómenos POPulares que são remexidos e revistos à escala global criando uma linguagem "universal" quase sem rastos de tiques nacionais. Pode isto significar algo como se José Cardoso em Salão Coboi lembra formalmente o sueco Kolbeinn Karlsson, o contrário também poderia ser dito. Trama-drama da Aldeia Global que deixa um certo impasse nas questões de originalidade e criatividade - que se calhar só é resolvido com um trabalho completamente diferente de Cardoso editado pela Imprensa Canalha no ano passado, Satanic Holidays/ Days of Celebration.
Já YUP não tendo eu referências sobre o estilo gráfico que aborda, diria que poderia estar nas páginas da Juxtapoz ou Rugged ou qualquer outra (boa) revista de novas tendências. Talvez por isso que tenha sido uma companhia alemã de malas / roupa que tenha editado este livro de retroespectiva do seu trabalho: seja na componente mais decorativa funcional (vestuário e acessórios) seja numa onda mais free de cartaz em serigrafia.

Só falta agora os discos que ainda são editados serem ilustrados, que as capas dos livros dos best-sellers também o sejam, bem como os bares, restaurantes e cafés, e claro os jornais, revistas e tudo o mais...

domingo, 14 de março de 2010

Fait Accompli...

a ideia demorou a concretizar-se mas o cartão da Chili Com Carne já foi entrgue a todos os sócios.

o modelo foi desenhado por João Chambel, foi impresso e cortado pelo José Feitor no Atelier de Santa Justa e Marcos Farrajota cuidou da burocracia e decoração dos modelos de forma que se pareçam minimamente com os sócios - o que quer dizer que quase nunca correu bem. Se estes não forem os cartões mais bizarros da história do associativismo, então falhámos!

sexta-feira, 12 de março de 2010

E quem paga é o sangue civil!

The Austrasian Goat : Pieces of Oblivion (Blind Date + Steaks + TTDMRT; 2008)
A Cultura é um fenómeno cíclico que origina conteúdos e formas, copia-se até à exaustão, recicla-se até que se reinventa e cria algo novo outra vez. Tal como na Natureza nada morre, o mesmo acontece com a Cultura - não fosse ela invenção humana, e por mais que os Humanos odeiem a Natureza não passam de animaizitos bastardos dela. 
Na Era do Digital / Desmaterialização da Cultura, o fenómeno de criar objectos em quantidade limitadas reforçou-se, em muitos casos usando até tecnologia obsoleta. Antigamente na cena Black Metal (por exemplo), uma banda (que muitas vezes não era mais que um norueguês abandonado numa caserna qualquer no gelo) gravava uma K7 ou um CD-R, fazia 10 cópias e isso era uma espécie de ponto de Honra, era True Black Metal - porque um True BM não se vende! Produz, é certo mas não se vende comercialmente! Um paradoxo que atingiu proporções globais desastrosas baseada na falsa ideia de que lá porque uma música ou outra criação (um desenho, uma bd, um texto) esteja acessível a todos no mundo digital (myspace, mp3, jpg, pdf) não quer dizer que toda gente a queira ou que consiga acedê-la. Na Cultura continua a ser o elemento da curiosidade humana o mais importante para se chegar a qualquer obra. Não é pela obra ser rara (limitada e que esgotou) que será melhor que outras mais "comerciais". Por isso que nos dias de hoje qualquer idiota conta com orgulho de uma edição limitada para criar um Culto - seja um "underground" ou "mainstream" ou no "meio caminho" como os Boris por exemplo. O Culto é uma forma de compensação psíquica de substituir o vazio da falta de qualidade...
Por fim, o facto de alguém trabalhar com edições limitadas também pode significar Liberdade - a vontade de criar e editar do que se gosta sem dar satisfações a ninguém. As condicionantes económicas podem "limitar" a edição a formatos baratos como zine fotocopiado, k7's e CD-R, etc... sem que haja por detrás um Ego distorcido. A vontade não-interessada e não-lucrativa de promover algo existe ainda neste mundo por mais estranho que isso possa parecer para muitos.
Consciente disto, chegamos aos franceses Austrasian Goat que neste vinil* recuperam temas anteriormente editados em CD-R's lançados em conjunto com outras bandas... temas raros portanto que continuarão a ser pela edição que é*! A embalagem é toda feita em serigrafia pelo atelier TTDMRT - que conheço pelas serigrafias do grande autor de bd Blanquet - dando logo um registo de raridade e de luxo à edição. O projecto parece-me que é um só gajo (creio) que chama colaboradores e "sampla o que falta" para criar um Doom poderoso onde Black, Funeral e Drone, referências a Burzum e sunn 0))) se misturam num som sujo. Será esse som sujo do vinil? Se fosse num formato digital seria melhor, isto é, mais limpo? Eis outra questão, a reprodução, diz-se, é melhor que o original e é bem capaz de ser verdade... Muitas vezes oiço k7's antigas (de quando era jovem e sem dinheiro para comprar discos) com os CD's (entretanto comprados na minha vida de adulto com rendimentos regulares) e fico desiludido com os últimos. O ruído das gravações em k7's antigas é tão real como o disco original per se. E de tantas vezes que ouvi com ruído que me habituei e a pensar que o "disco era mesmo assim" ao ponto de achar que audição do CD parece "errado".
Não sei se este disco é muito ou pouco original, não sei se está em comunhão com algum movimento (embora saiba que o Black anda na berra em França), se está mastigar alguém ou abrir caminhos mas a verdade que há muito que um disco me fez colocar tantas dúvidas... Só pode ser bom por causa disso, não?

*dos 363 exemplares do disco, 116 são em vinil branco e numerados. último exemplar - vinil branco - a 25 eur (20% desconto para sócios CCC), encomendas para ccc@chilicomcarne.com

Almanaque Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora

Nelson Dona (Dir.) ; Sara Figueiredo Costa (coor.)
CM Amadora / FIBDA; 2009

Em 20 anos de existência o Festival da Amadora fez uma ou duas coisas de jeito, uma delas é este livro de memória do festival em que se reflecte o que se passou e o que passa no mercado português de bd, e se pondera o impacto do Festival e da sua organização, o Centro Nacional de BD e Imagem, na cena da bd portuguesa.
Como documento de análise e síntese é importantíssimo porque há quase 10 anos que nunca mais houve nenhum material escrito e publicado em papel sobre o assunto. Desde Hoje, a bd 1996/1999 (Bedeteca de Lisboa; 2001) e apesar da continuação online (na secção anual "Dossiê" em bedeteca.com) não se tem discutido ou exposto ideias do que se passa com a bd portuguesa.
Para mal de todos nós, este livro mostra que houve uma euforia na bd portuguesa no final dos anos 90 e príncipios dos anos 00, e que se suspeita que o público mudou de gostos sem o acompanhamento da edição - e conhecimento da própria Amadora. Diria que a autora que coordenou este livro fez o trabalho sujo de anti-corpo, de vírus a infestar o corpo caduco da Amadora. Não sei se conseguirá fazer muitos "danos" na progrmação futura mas pelos vistos está escrito numa edição da própria instituição, o que deixa um sabor de ironia e inteligência sobre o livro.
Ficamos também a saber o que já se sabia mas que todos tinham vergonha ou impotência para oficializar, que os eventos da Bedeteca de Lisboa (Salão Lisboa e Ilustração Portuguesa) acabaram e que a equipa da Bedeteca está desgastada. Já que os dirigentes da Câmara de Lisboa, desde do corrupto Carmona, nunca tiveram coragem de anunciar o "fim do projecto", é bom saber de algum lado o que aconteceu - resta um dia alguém se preocupar em contar "como e porquê".
De forma resumida, abarcando as várias áreas da bd - da edição à formação, dos eventos às bibliotecas, por exemplo - este livro expõe o suficiente o que se passa em Portugal, sendo obrigatória sua leitura, juntamente com o Hoje, a BD, a qualquer agente do mercado (autor, editor, formador, organizador).
A completar o livro é ainda anexado um texto sobre a colecção de originais do CNBDI, e um texto sobre a exposição Contemporaneidade na BD Portuguesa, comissariada por Pedro Moura, e que inclui trabalhos de Bruno Borges, Jucifer, André Lemos e João Maio Pinto...

PS - Vergonhoso é o preço de 17€ para um livro que apesar de ser a primeira vez o Festival da Porcalhota se esmera com Design de bom-aspecto, não deveria ser tão caro (contando com os custos de impressão mas são apenas 150 páginas de capa dura em tecido, sendo feitos 1200 exemplares deve ter ficado ao preço da banana! 3 eur cada exemplar?) e sendo de uma autarquia / organização pública deveria colocar um preço baixo para que todos possam aceder à informação. Mas a Porcalhota será sempre isto, um lamaçal de incompetência disfarçada de arrogância. Podia ser pior?

PPS - Sim!

terça-feira, 9 de março de 2010

ccc@CDGO.com

Aproveitando a ida ao TITAN fomos à CDGO.com, loja de discos no Porto que tal como tudo no Porto ou é fixe ou é grande ou são as duas coisas! No caso da CDGO.com são as duas coisas!
Começaram o ano passado a encomendar os nossos livros e não estavam a correr bem as vendas. Depois descobriram um "spot" na loja e começaram a vendê-los como nem pãezinhos (que termo idiota é este!?) e não sabiamos porquê... Quando fomos lá, descobrimos: que "editora" é que se pode orgulhar de ter uma bancada só para si? Nunca fomos tão bem tratados! Só mesmo no Porto!

ccc@TITAN


Fomos este fim-de-semana a Matosinhos por causa do TITAN, evento que premiou uma das editoras de um nossos associados, a MMMNNNRRRG, com o livro Já Não Há Maçãs no Paraíso de Max Tilmann.
Vendo a exposição em que os vencedores e algumas menções honrosas estavam em pilintos em destaque e o resto dos concorrentes no chão de uma enorme sala (a Galeria da Câmara), é que percebemos o quão "titânico" foi o concurso com mais de 2600 trabalhos (livros, jornais, discos, cartazes, etc...). Da CCC e dos associados lá encontramos alguns trabalhos como o jornal Cascais Submerso, os livros Malus, Mercantologia 3 e Antibothis e Opuntias Books...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Allen (mesinha de cabeceira #41)

Allen foi a primeira bd editada profissionalmente da artista Isabel Carvalho - resultado do primeiro prémio de um concurso de bd organizado pelo ISHT e por Marcos Farrajota em 2000. Da tiragem de 1000 exemplares foi esgotado o livro só podendo ser descarregado no sítio oficial da CCC.

Allen / mesinha de cabeceira #41
16p. p/b 17x23 cm, capa 3 cores, edição agrafada
ISBN: 972-98177-1-5

«(...) fanzine a meio caminho entre o álbum e a revista, como é prório destas publicações que gostam de confundir a arrumação das coisas.» Diário de Notícias «Quadradinhos de instantes perdidos entre relações distantes.» Mondo Bizarre «(...) outra lógica aos quadradinhos.» vida.pt

pela CCC também encontra um trabalho de Isabel Carvalho na antologia international de bd e ilustração Mutate & Survive.