domingo, 12 de outubro de 2008

Luso Lite

Dizem que Portugal é um país de poetas - e realmente em oposição às Artes Visuais que somos uns nabos a julgar pelas capas dos livros que se editam, até deste livros - não podia ser mais verdade.
Como se costuma dizer "quem vê caras não vê corações" ou "não julgues um livro pela sua capa" temos bom literatura por estes lados. Admito que não acompanho o que saí no mercado porque além das capas dos livros afastarem-me das livrarias não acredito nos "next big tavares" que todas as semanas aparecem no Público ou qualquer outro jornal.
Os títulos que divulgo aqui vieram de mãos ainda mais suspeitas e sujas - a dos próprios escritores, alguns conhecidos, outros não. Serei justo das análises, o único pecadilho que terei neste "post" é incluir as palavras vindas das dedicatórias (pessoais) dos autores escritas nos frontispícios dos livros. Decidi incluí-las porque acho além de mostrarem a sanidade e auto-conciência dos seus autores sobre os seus trabalhos (sem as demagogias comerciais e circenses daquilo que se transformou o "livro") servem quase de resumos das próprias obras.

«(...) este romance, verdadeiramente alternativo e bruto, disfarçado de mainstream... assim posso corromper os insuspeitos!» David Soares in A Conspiração dos Antepassados (Saída de Emergência; 2007)


O primeiro romance de Soares é uma bomba - e já vai para o segundo romance, Lisboa triunfante acabadinho de lançar e que me encontro a ler. A piada de ser "alternativo e bruto" deve ser relativa às minhas actividades editoriais como a MMMNNNRRRG, e faz bem justiça ao livro que apesar da capa "photoshopada" cheio de brilhos com os focos virados para a pessoa do Fernando e para (os mais fáceis de distinguir) o diabólico Crowley e o idiota do D. Sebastião, não é um livro para o pobre leitor "Código Da Vinci". A capa irá enganá-lo, à espera de ler mais umas linhas sobre Templários e a Verdade do Sangue Coca Cola de Deus. Ou espera mais um romance barato de Esoterismo ainda mais barato com um Kitsch pessoano. Enganem-se pobres diabos! Aqui é ficção fantástica da boa, cheia dos tiques "Eros & Thanatos" conhecidos dos contos e bd's de Soares: o sexo é transpirado e desiludido (porque o sexo é sobrevalorizado quando se cria filmes ou livros) e a escatologia é uma realidade mundana (geralmente tapada também na produção de produtos culturais). Mesmo já passado um ano, não se deve revelar o conteúdo DESTE livro. O que era necessário dizer sobre ele é que é bem escrito e que é um híbrido literário que escolheu os melhores genes do Mistério, Romance, Ficção Histórica, Esoterismo e Fantástico sem nunca desanimar ou desiludir para quem pegar nas suas páginas. O livro é bem construído, feito com inteligência narrativa... não mete logo monstros marados nas primeiras páginas, não, é como o Aberto até de madrugada (aquele filme do Tarantino e do Rodriguez), sabemos que se trata de um filme de vampiros mas eles só aparecem lá para o meio do filme quando toda a gente já se tinha esquecido do se tratava... Imagino um leitor matinal dentro do Metro, com pequeno-almoço empurrado à força, prestes a vomitar-se todo, todinho, ao ler a descrição do Crowley a comer as suas próprias fezes... é bem feita! Quem mandou comprar um livro pela capa?

«(...) Com um abraço» escreve friamente Ágata Ramos Simões no exemplar de Sr. Bentley, o enraba-passarinhos (Saída de Emergência; 2007).

Fria sim, apesar de Ágata escrever com o calor de uma punk toda fodida com o sistema, com aquela raiva lixada que quer destruir tudo e todos. O retrato do Sr. Bentley é próximo de uma dezenas de estafermos, velhos, ordinarões que nos obrigam a pensar que ainda estamos na Idade Medieval - se calhar, de onde este país nunca saiu. E para começar a resolver isso eu contratava "snipers" para abater velhas que dão comidas aos pombos na rua ou à janela, depois dava carta branca (e uns trocos) aos Skins para humilharem publicamente os parvalhões que andam com cabelo à Electro... e se acham estas propostas divertidas deviam ler o livro.
Dois senões e voltando à vaca-fria (salvo seja), Ágata não consegue ou não pretende fazer deste livro algo narrativo com um clássico príncipio, meio e fim. No final do divertido livro senti um vazio. Segundo, não se percebe quando o livro retrata tanto a alarve sociedade portuguesa porque raios todos os nomes das personagens têm nomes ingleses... Complexo de inferioridade cultural? Falta de jeito? Lembra-me os putos quando "fazem as suas histórias" usam sempre nomes como "Johnny", "Bob" ou "Jack" apanhadinhos das séries de TV, bd e desenhos animados xungos.
Ainda assim um livro porreiro e com um trabalho gráfico de pérola para o porco mercado livreiro nacional - se não concordarem basta visitar qualquer livraria de aeroporto por essa Europa fora, até os "Códigos" de lá consegue ser menos feios do que cá!

«(...) mulheres lindas para ler» Jorge Mantas in Beltenebros : contos venusianos (Casa do Sul; 2008)

Mantas foi editor dos extintos e saudosos zines Neural Therapy e psico.acústica, é músico drone (The Beautiful Schizophonic) e também escreve. E escreve muito bem... Este é o terceiro livro depois do fabuloso Sensorround (Black Sun; 2002) e o tipificado Os ruídos Românticos de Fauto (Ed. Mortas; 2003) que lembra com imensas distâncias Glamorama de Bret Easton Ellis pela atmosfera "jet set" de algumas descrições. Mas essas distâncias são óbvias, a começar porque nesse livro Ellis é irónico e surrealista enquanto que nos "contos venusianos" Mantas abandonado no nosso Velho Continente é invertebradamente Romântico - ou será Neo-Romântico?
Beltenebros são vários contos que nunca chegam a ser eróticos "tout-court" segundo a fórmula de excitação sexual - o cérebro é o orgão mais erótico do corpo, alguém já o disse antes. As histórias amorosas, escritas de forma sublime, são quimeras masculinas, sem pejos esquerdófilos, que celebram a Beleza feminina no Novo Monte Olímpio sob o patrocínio da Intimissimi.

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